21.06.22
O Presidente chinês, Xi Jinping, afirmou no seu último discurso que “a promoção da democracia pelo Ocidente causou "guerras" e "caos" no resto do mundo”. Afirmou igualmente que “algumas das nações promovem à força o conceito e o sistema de democracia e Direitos Humanos ocidentais, aproveitando-se para interferir nos assuntos internos de outros países", e que “a Democracia e os Direitos Humanos não são para "decoração". Ainda teve oportunidade para chamar a atenção de que “a polarização política, o fosso crescente entre ricos e pobres e o conflito étnico intensificaram-se no Ocidente”.
Costuma-se dizer: Acredite quem quiser.
A bipolarização das opiniões mundiais em relação às políticas americanas e chinesas em muitos casos incorre no erro onde os EUA são vistos como sendo o bicho papão e que a China é uma vítima da agressividade americana, quando ela própria procura sempre o caminho da paz e da harmonia. Este erro iguala-se quando se acredita no inverso.
Quando existe uma potência dominadora que não pretende abdicar deste status quo, e por outro lado existe outra, que sonha ocupar o lugar da atual; não existe espaço nem para a inocência nem para o romantismo.
Nesta guerra pelo domínio do planeta não existem santos, só existem pecadores.
Os protagonistas dos grandes impérios como o império romano, o império mongol, e na nossa era, os impérios russo, inglês e americano, estão todos eles manchados de sangue, de maldade e de ganância. Que ninguém se iluda, de que o caminho trilhado pela China para se tornar no próximo grande império mundial, está imaculado, e que o futuro sob a hegemonia chinesa vai com certeza ser feito de paz e de harmonia.
Os americanos são por natureza espalhafatosos. Como nos seus célebres westerns, costumam entrar aos tiros e sair aos tiros. Lamentavelmente, chegam ao ponto de se vangloriar dos seus erros.
Já os chineses são muito mais discretos. Enquanto os erros colossais da guerra do Vietnam e da segunda guerra no Iraque foram estrondosamente publicitados e apresentados como novelas televisivas; as limpezas étnicas cometidas pela China nas suas províncias com forte presença muçulmana, assim como a aniquilação do povo e da cultura tibetana, foram devidamente escondidas pelas autoridades chinesas, e o pouco que transpirou foi praticamente ignorado pela nossa consciência coletiva e pelos responsáveis mundiais.
A presença chinesa em África é perfeitamente silenciosa, mas profundamente marcante. Em troca de divisas, os governos africanos entregam a prazo os seus territórios e as sua soberania. A China nas últimas décadas tem vindo literalmente a parcelar o continente africano, sem que com isso tenha resultado qualquer desenvolvimento do continente no que diz respeito ao favorecimento dos seus povos.
Se o imperialismo europeu empobreceu os africanos, a presença chinesa não tem feito melhor, pelo contrário.
O apoio disfarçado, mas real, que a federação russa tem recebido do governo chinês, faz parte de uma estratégia para tornar a Rússia um mero peão do partido comunista chinês. Tal como a Coreia do Norte faz o papel de pitbull do governo chinês, a Federação Russa com o seu afastamento da Europa, está condenada a ser mais um cão de fila da China. E nem o enorme orgulho russo vai resistir a tal fatalidade.
Ao contrário de Xi Jinping, eu prefiro a democracia, que mesmo não sendo isenta de defeitos, continua a permitir que os seus povos em caso de insatisfação, saiam à rua sem medo que um tanque de guerra lhes passe por cima. A mesma democracia que não obriga os seus cidadãos a serem membros de um único partido pois esse é a única forma de alcançarem uma carreira de sucesso. A mesma democracia que permite que os seus erros e as suas guerras sejam escrutinados e postos em causa pelo povo soberano, que faz da maioria lei e não permite a lei de uma minoria.
Os "direitos humanos ocidentais" tão contestados pelo presidente chinês, são os direitos humanos consagrados na carta das nações unidas. Não são nem ocidentais nem orientais, são de toda a humanidade.
Certo que a sua aplicação está muito longe do desejado. Infelizmente a realidade mundial difere muito do conteúdo dessa carta. Há seguramente um enorme trabalho a realizar e um caminho a percorrer para que os direitos humanos sejam na verdade globais e iguais. De uma coisa estou certo, nem o partido comunista chinês nem o governo chinês, (na realidade são a mesma coisa), têm qualquer tipo de moral nem qualquer espaço de participação construtiva neste processo. Não, com a sua política atual.
Quando Xi Jinping afirma que “a polarização política, o fosso crescente entre ricos e pobres e o conflito étnico intensificaram-se no Ocidente”, só errou no final da frase. A palavra ocidente devia ter sido substituída pela palavra mundo. As desigualdades sociais são uma consequência direta do sistema capitalista, principalmente no capitalismo selvagem. Sendo a China uma economia capitalista, tem criado ela mesmo gravíssimos problemas internos de desigualdade social.
Esta ideia que o governo chinês pretende construir de que o seu sistema e o seu modelo de sociedade são a melhor alternativa a propor, (mais tarde a impor) ao mundo, recorda-me a promessa do "paraíso marxista" e a profecia nazi de 1.000 anos de prosperidade com o nacional socialismo.
Apesar de todos os defeitos das democracias ocidentais, acredito que a aposta para o futuro passa por melhorar aquilo que tem que ser melhorado consolidando as bases de um sistema onde a vontade da maioria prevalece, e onde a liberdade não tem preço.
O futuro da Europa passa inquestionavelmente pelo reforço das suas instituições e dos seus valores, criar as condições necessárias para que gradualmente se alcance uma maior independência dos EUA, e garantir que não exista qualquer tipo de dependência em relação à China que coloque em causa os interesses europeus.