28.05.22
Começa a ser evidente uma corrente de opinião onde é manifestada uma proposta para pôr fim à guerra na Ucrânia. Proposta essa que se traduz em pressionar os líderes ucranianos a oferecerem em troca da paz, parte do seu território ao invasor.
Ouvi por estes dias uma conhecida jurista afirmar que a conquista e a ocupação do Donbass, já era um fato consumado e que esta região nunca mais viria a fazer parte integrante da Ucrânia.
Ficou claro que a substância desta leviana afirmação, constitui a atribuição ao mais forte, o direito de se apropriar ilegalmente do alheio, e que aos outros só deva restar a cobardia de assistir, pois qualquer reação no sentido de impedir a impunidade, pode resultar em algo perigoso.
Só ficou por esclarecer, se depois disso conseguimos não nos sentirmos cumplicies. Pelos vistos a esta distinta figura das letras e do jornalismo português, assenta bem a carapuça da cumplicidade, ficando igualmente claro que para ela, o perigo deve ficar circunscrito aos ucranianos.
Como já tive a oportunidade de escrever, - Qual o preço para se obter a paz e manter a dignidade? Qual o preço que um povo está disposto a pagar pela sua liberdade?
Qual é a autoridade moral daqueles que não sendo ucranianos, procuram de alguma forma influenciar as escolhas de quem defende o seu território, a sua soberania e o seu direito à autodeterminação?
Quem somos nós, privilegiados ocidentais, para nos queixarmos do aumento do custo de vida provocado pela guerra quando milhares de ucranianos sucumbem debaixo das bombas? Qual o peso do nosso descontentamento quando milhões tiveram que fugir das suas casas apenas com a roupa dos seus corpos? Qual é o verdadeiro grau do nosso desconforto quando milhões de pessoas em África estão a passar ainda mais fome do que aquela que vergonhosamente para todos nós, já passavam?
São muitos aqueles que temem as consequências de uma derrota militar clara da Federação Russa nesta guerra. Pergunto aos mesmos: Já refletiram nas consequências de uma vitória russa com a anexação dos territórios por agora ocupados? Alguém tem a distinta certeza do que se seguirá?
Esses mesmos que estão dispostos a criar o perigosíssimo precedente com o reconhecimento da impunidade desta invasão e da aceitação de que em pleno século XXI haja um país que através da força tome posse de parte integrante de outro país soberano, são com certeza os mesmos que ignoraram o precedente criado depois do massacre de Grozny, e que aceitaram com normalidade o precedente criado com a anexação de regiões da Geórgia, e são com certeza os mesmos que olharam para o lado quando em 2014 o exército russo invadiu a Crimeia amputando desse modo uma parte do território ucraniano.
Pelos vistos ninguém quis afrontar Vladimir Putin para não se correr o risco de ele escalar a sua ofensiva. A passividade das democracias ocidentais perante a invasão e imediata anexação da Crimeia, não só criou as condições a Putin para ele escalar a ofensiva, como permitiu a existência de um novo precedente. A madrugada de 24 de Fevereiro de 2022 veio provar o óbvio.
E de precedente em precedente, o exército russo arrasta a sua marca de destruição, de morte e de usurpação. Pelas opiniões que se escutam, parece que ainda não chega de precedentes oferecidos a Putin, aos seus vassalos corruptos e sedentos de conquista, e a toda uma escória de terroristas a soldo. A escória que resultou daquilo que sobrou da Chechénia e da Síria.
Nesses conflitos, aqueles que não foram esmagados, converteram-se ao jugo do Kremlin. É essa mesma escória de assassinos que é agora lançada nas cidades ucranianas em operações de “limpeza”, leia-se, execuções sumárias. Haja mais concessões, e esta infâmia perdurará.
Para continuar a luta pela sua liberdade, ao povo ucraniano não basta a coragem, - se só disso se tratasse, já o seu território estaria limpo desta corja de bandidos que por enquanto lá permanece.
Aos ucranianos falta com certeza o contínuo apoio militar. E se até isso lhes for negado, o mínimo que lhes deve ser concedido, é o direito de serem eles, e só eles, a decidirem se preferem morrer de pé ou continuar a viver de joelhos.