21.03.22
Considero não ser prematuro afirmar que a nova guerra fria já começou, não só pelos atos desencadeados pela Federação Russa na pessoa do seu líder, mas pela transformação que a sociedade russa viveu nas últimas duas décadas.
A antiga URSS, União das repúblicas socialistas soviéticas era um regime baseado num conceito ideológico onde o estado era controlado por um sistema de partido único cuja hierarquia detinha o controlo absoluto sobre a sociedade. As regras eram claras, indiscutíveis e impostas unilateralmente pelo politburo do partido. Era um regime ditatorial, opressor, mas apesar de tudo previsível. Foi a mais longa ditadura da história da Europa.
O seu colapso, três anos depois da queda do muro de Berlim, deveu-se em grande parte a uma enorme crise financeira com o processo de transição acelerada e mal sucedida de uma economia planificada para uma economia de mercado. Entretanto, a queda no preço das commodities agrícolas, minerais e energéticas (petróleo, gás natural) a partir de 1984-1985, deixou claro os limites daquele modelo. O desgaste provocado por dez anos de guerra no Afeganistão, ajudou ao colapso final da URSS.
Com a queda do velho império soviético surgiu a Federação Russa. A crise leva à eleição de Vladimir Putin, que inicia um processo de reorganização do Estado russo.
Sob o governo de Putin, a economia russa começou a recuperar, mantendo um ritmo de crescimento económico muito acelerado. Só que esta era uma nova filosofia de governo. O que era um estado ideológico com regras muito claras, passou a ser um estado mercantilista e corrupto onde a ausência de regras era notória. Onde havia um partido com uma hierarquia colegial, passou a haver um sistema autocrata e cleptocrata centrado numa personagem, Vladimir Putin.
Se a guerra fria tinha terminado com a queda do murro de Berlim, uma outra estava a germinar na nova Rússia de Vladimir Putin.
A geração do pós-guerra teve o privilégio de viver em paz coexistindo com a guerra fria entre os regimes ocidentais e o regime soviético. Qual será o futuro da geração da nova guerra fria?
O medo visceral e doentio que Putin e os seus apoiantes têm do ocidente, fez acordar as consciências daqueles que saboreavam descontraidamente a descompressão obtida com o final da guerra fria. Com a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, toda a política de defesa da Europa está a ser equacionada, não só com o instrumento NATO, mas também com UE.
A UE que era até agora uma organização no seu essencial, económica e social, vai adquirir uma forte componente de defesa militar. Se a preocupação de Putin era a NATO, agora ele vai ter mais uma. Todos os estados membros da UE vão reforçar os seus orçamentos militares. Nos próximos anos a Rússia vai ter um conjunto de armas apontadas como nunca teve.
Independentemente do tempo que Putin ocupar o poder, esta política de desconfiança e de prevenção armada por parte dos países ocidentais, vai continuar por largos anos. E a razão é simples: O estado russo é dominado por um conjunto de pessoas que fazem parte dos serviços secretos, ou que no mínimo mantêm estreitas relações com os mesmos. Não se trata de uma entidade que presta um serviço ao estado, é um estado que presta serviços à entidade. E Putin, ex-chefe da FSB, é o homem certo neste atual contexto.
Países como a Finlândia, Suécia e Moldava, irão se sentir ameaçados por este novo ímpeto imperialista da Rússia, e como tal, vão olhar para uma integração na NATO, como uma garantia de segurança. Por outro lado, a Rússia interpretará isso como uma ameaça. Este será também um dilema da nova guerra fria. Infelizmente a geração dos nossos filhos já se encontra em guerra.