19.03.22
Vladimir Putin juntou num estádio, milhares de russos. Jovens estudantes, funcionários públicos, entre outros, foram transportados em autocarros até ao evento. Apresentadores e celebridades cumpriram a função de animar as massas num comício show que tinha como principal objetivo comemorar a anexação da Crimeia e apoiar a chamada operação militar especial, nome dado pelo Kremlin à invasão da Ucrânia.
Todos os historiadores alertam para o erro de compararmos fatos históricos. Afirmam mesmo que não se deve empregar a frase: “A história repete-se”. Estas últimas semanas tornam muito difícil acatar tal conselho. A cada dia que passa, novos acontecimentos, episódios, comportamentos e até frases, nos transportam para décadas passadas.
É impossível não comparar o estilo de propaganda empregue pelo Kremlin com a propaganda nazi protagonizada por Joseph Goebbels. Frases de Putin como: “a autopurificação da sociedade russa”. As bandeiras e as músicas militares. A ideia de recuperar a grandeza da Rússia e prepará-la para enfrentar um inimigo fatal e destruidor da pátria. Até um símbolo já foi adotado: o “Z”. Só falta mesmo um gesto de saudação.
Sem dúvida que o espírito de Nuremberg esteve presente naquele estádio em Moscovo. A grande diferença é que nos comícios presididos por Adolf Hitler, estava uma audiência que acreditava piamente no seu líder, seguindo-o de uma forma espontânea. Já estes cerca de 80.000 russos presentes naquele estádio deixam sérias dúvidas sobre as suas reais convicções.
Será que aqueles estudantes poderiam continuar a frequentar as escolas públicas se recusassem o convite para estarem presentes? Será que os milhares de funcionários públicos iriam manter os seus postos de trabalho recusando o mesmo convite? Será que “convite” é a palavra certa? Não seria mais adequado usar o termo: “convocação"?
Haviam certamente os crentes. Aqueles que vêm em Putin o novo Messias. O novo paladino da Mãe Rússia. Aquela Rússia que tem que ser ainda mais poderosa e preparada para enfrentar a ameaça do grande Satã ocidental, e claro, dos nazis, que de repente, tal fénix renascida das cinzas são de novo a grande ameaça ao mundo.
O que havia sem dúvida nenhuma em grande número, eram russos muito pouco desconfiados. Aliás o povo russo na sua generalidade, não é nada desconfiado. Não desconfiam minimamente porque é que num país tão vasto só hajam canais de TV estatais, e os poucos que não o são, dizem exatamente aquilo que os estatais dizem. E os jornais? Que escrevem todos a mesma coisa? E porque é que será que não haverá acesso às redes sociais? Nem sequer o YouTube para ouvir uma músiquinha. Há até palavras que não podem ser ditas, como guerra por exemplo.
Será que estes crentes, apoiantes de Putin, que são muitos, não desconfiam de nada? Será que as mães dos soldados mortos e desaparecidos, que tragicamente são cada vez em maior número, não estranharão e não questionarão o tão apregoado sucesso da tal “operação militar especial”? Será que um povo que durante séculos foi formatado para ser servo, não se consegue mesmo libertar destas amarras comportamentais?
Este palco em Moscovo ficou marcado pelo discurso inspirado nos comícios de Nuremberg; pelas coreografias das paradas Norte Coreanas e ainda teve pelo meio, uma imitação de terceira categoria do intervalo do Super Bowl americano. Se não fosse tão preocupante, poderia até ser motivo de piada.