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A Política somos nós

A Política somos nós

09.03.22

 

A Ucrânia fica a 3.200Km do local onde escrevo A distância e a segurança não me retiram o sentimento de que também eu estou em guerra. As imagens da destruição e do sofrimento, as mulheres e crianças tentando fugir no meio dos bombardeamentos, as famílias separadas, as vidas destruídas. Não há distância que nos separe de tamanha desgraça nem segurança que nos conforte.

Esta guerra não é só na Ucrânia. Ela se manifesta com toda a sua brutalidade e crueldade no terreno, mas também invade os nossos corações, não por sermos ucranianos ou portugueses, apenas porque somos pessoas de bem. Neste preciso momento os comboios percorrem os países da Europa com destino à Ucrânia. Neles regressam os homens ucranianos que depois de se despedirem das famílias voltam à sua pátria. Voltam para que um dia os seus filhos possam ter uma pátria que eles possam chamar de sua. Mas não são só ucranianos que se dirigem ao campo de batalha, homens de vários países da Europa e do mundo mobilizam-se para combater em solo ucraniano com a farda do exército ucraniano.

Nesta Europa tão unida como não estava à oito décadas, não são os brancos nem os negros, não são os católicos nem os judeus, não são mercenários, pois não vão ser pagos por entrar em combate - são apenas gente do bem. Gente que sentiu a revolta e a indignação, gente que também sentiu que estava em guerra.

Putin contou com uma Europa enfraquecida pela pandemia, pela saída do Reino Unido da UE e por uma grande dependência da Alemanha pelo petróleo e gás russo. Olhou para a saída das tropas americanos do Afeganistão como uma fraqueza do Presidente Biden. Acumulou centenas de milhões de dólares e esperou pelo momento certo para dar o golpe.

Acreditou que neste tempo certo iria repetir na Ucrânia aquilo que fez na Geórgia e na península da Crimeia, um passeio. Foi o seu primeiro erro estratégico, subestimar o inimigo. O segundo erro foi subestimar a capacidade de convergência, a unidade e a rapidez de resposta da UE. O conjunto de sanções foram inéditas e foram aplicadas com uma celeridade tal, que em poucos dias a Europa negociou, decidiu e aplicou resoluções como nunca tinha feito antes.

Até a ameaça do terror nuclear, que fez aos países da NATO, e que tinha como objetivo provocar os EUA falhou - apostou na fama americana de ter o dedo rápido no gatilho mas do outro lado do Atlântico recebeu apenas um silêncio refletido. Com isto conseguiu apenas indignar mais ainda o mundo civilizado.

Putin poderá e muito provavelmente ganhará esta guerra no campo de batalha, mas na verdade está a perde-la em toda a linha. No terreno, os objetivos militares estão ainda longe de ser alcançados. Os generais russos ao fim de 13 dias de guerra ainda não chegaram a Kiev, muito menos conquistá-la. As perdas humanas e de material são neste momento muito mais pesadas do que aquilo que foi previsto pelo estado maior russo. A guerra da Ucrânia está longe de ser um passeio mesmo para o todo poderoso exército de Putin.

A fraca economia da Federação Russa está de rastos, e a cada dia que passa mais de rastos ficará. A maioria dos países do mundo, assim como as grandes marcas, estão neste momento a boicotar e a neutralizar a economia russa e este movimento não vai parar com o fim da guerra. Com isto, os amigos que Putin tornou ricos, estão a ficar menos ricos, e menos amigos.

Putin, no seu delírio de novo imperador do Leste, fez de inimigos os países que o receberam como um homem novo numa nova Rússia. Se não eram inimigos, agora com certeza que o são. Desde o final da guerra fria que os países da NATO não tinham tantos efetivos militares junto das fronteiras com a Federação Russa como têm agora. A Ucrânia, vencedora ou derrotada, membro da NATO ou não, é desde já, e continuará a ser, o pior inimigo da Federação Russa. É também esta a guerra que Putin está a perder.

Muito mais difícil que vencer uma guerra é conseguir manter a paz, e Putin e o povo russo não vão ter paz nos anos vindouros. Quem vai vencer esta guerra não vai ser nem a Ucrânia nem a NATO, nem tão pouco a Federação Russa, será o povo russo o verdadeiro vencedor. Não sabemos quando, mas Putin vai ser derrotado pelo seu próprio povo. Os impérios caiem por dentro e com eles arrastam os seus tiranos.

 

09.03.22

Não sou muito conhecido pelo meu sorriso, apesar disso gosto de uma boa gargalhada. Por estes dias negros mais sisudo tenho sido, menos vontade de rir tenho tido.

Considero que o pior dos estados de espírito é a angústia. Não é propriamente tristeza, nem tão pouco indisposição e certamente não será indiferença.

Angústia é um choro interior que nos magoa e que com o tempo nos consome silenciosamente.

Nestes dias negros para a humanidade, repletos de insanidade, barbaridade e acima de tudo de profundo sofrimento, é este o estado de espírito – angústia.

Tudo o que naturalmente nos faria sorrir, tudo aquilo que deveria ser proveitoso, é invariavelmente como que por nós próprios censurado. Censurado por uma consciência que perante tanto sofrimento se questiona se somos merecedores de tal privilégio.

Consciência que é assaltada perante as imagens do terror, as lágrimas dos inocentes e a coragem daqueles que oferecem a vida não apenas pela sua pátria, mas em última instância pela sua dignidade. Dignidade que lhes nega a fraqueza de uma capitulação oferecida ao agressor.

Uma fraqueza que não encontra espaço onde só a coragem se impõe. Coragem dos homens que ficam para lutar pela terra que lhes pertence e a coragem das mulheres que partem dos seus lares com pouco mais do que a roupa do corpo e com aquilo que mais lhes é precioso, os seus filhos.

A imagem de uma mulher em fuga que na sua frente empurrava um carrinho de bebe enquanto que com a mão que lhe sobrava puxava uma mala, faz-nos questionar se algum dia chegámos mesmo a ser corajosos. Quando o jornalista lhe perguntou se ela precisava de alguma coisa, ela respondeu que a única coisa que precisava era paz. Ainda não sabia qual seria o seu destino e como não conhecia ninguém fora da Ucrânia, o seu rosto estampava a desorientação e o desamparo. Lá seguiu, numa mão o filho, na outra a mala – espero que ela encontre a paz que pediu.

Depois há os filhos que ficam, os maiores de idade. Muitos acompanham as suas mães até às fronteiras dos países que acolhem aqueles que fogem do conflito. Quando chega a hora da despedida assistimos à inimaginável dor que uma mãe sente quando se separa do seu filho para o entregar à guerra, provavelmente à morte. Não há semente mais vingadora do que arrancar um filho dos braços da sua mãe. Elas poderão não pegar em armas para combater esta guerra, mas serão com certeza portadoras do pior ódio de que qualquer inimigo poderá recear.

Os homens ficam junto das famílias até ao derradeiro instante pois sabem que este poderá ser o último. As crianças choram sem entenderem, só conseguem ver os irmãos mais velhos e os pais partirem e voltam-se para as mães, o seu refúgio. Mulheres corajosas. Muitas engolem as lágrimas para não perturbarem ainda mais os filhos. Aqueles que não tem idade para combater ficam com as mães, mas já entendem o drama. Estas são também sementes de vingança. Poderão ter que esperar ainda alguns anos para germinar, mas quando germinarem, nascerão os soldados que farão as próximas guerras.

As guerras não provocam apenas a destruição e o sofrimento no tempo em que decorrem, semeiam também os conflitos do futuro. A guerra é algo de tão pernicioso que muitas vezes se perpétua pelas gerações futuras. As armas e as munições cumprem a sua função de morte na hora do combate, o sofrimento e o trauma que provocam continuam a matar os que sobreviverem.

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